Depois da etapa de planejamento, o tratamento de uma não conformidade é, na minha percepção, a etapa mais importante do processo de melhoria de um sistema de gestão, não importa qual seja sua temática, da área de qualidade, meio ambiente, segurança do trabalho e saúde, compliance, conformidade legal dentre vários outros temas onde o assunto é lembrado. Digo isso porque é a partir desta etapa que se replaneja o processo o objeto de avaliação, portanto, é correto afirmar que, o tratamento de um potencial ou real problema, é função mais que importante para o replanejamento adequado de um sistema de gestão.
Não há, em termos didáticos, como não comparar o processo ao diagnóstico de um médico, em que o doutor analisa o paciente, utilizando diversas ferramentas como diagnóstico de imagem, testes ergométricos, exames sanguíneos em busca evidências, a fim de confirmar as causas da ocorrência do sintoma objeto de análise. O mesmo vale para quando detectamos aquele barulhinho esquisito no motor do nosso veículo e levamos ao mecânico para que ele entenda a causa raiz do problema.
Originada do inglês ROOT CAUSE ANALISYS (RCA), a análise de causa raiz (ACR em português) é assunto estudado há anos por especialistas em gestão de processos, poderíamos até afirmar que grandes filósofos como Sócrates e de um de seus discípulos (foi aluno de Platão) Aristóteles já tinham preocupação com a qualidade, vista de ângulos diferentes, analisemos:
- “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa.” Sócrates.
- “Só fazemos melhor aquilo que, repetidamente, insistimos em melhorar. A busca da excelência não deve ser um objetivo, e sim um hábito.” Aristóteles.
Reparem que o fundamento da principal teoria da Sócrates (470 a.C. - 399 a.C.) incide diretamente no conceito de qualidade utilizado atualmente e etapas declaradas anteriormente, aprender com erros e falhas é um dos princípios básicos de um sistema de gestão, a certeza de que os resultados planejados podem não ser sem o esperado. Já o conceito de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) remete à busca incessante por ferramentas que auxiliem os gestores à solução de problemas. Parafraseando a obra do cientista Stephen Hawking, a humanidade tem buscado ao longo da sua história, breves respostas para grandes questões. Encontrar a ferramenta adequada para perguntas como “qual o sentido da vida?” ou “por quê existimos?” ou até mesmo “qual a fórmula matemática para qualquer pessoa emagrecer?”, é o desejo de qualquer ser humano. Tenho certeza que o indivíduo que descobrir a ferramenta ou a fórmula matemática exata para explicar estes questionamentos, seria ovacionado e receberia altas quantias financeiras dos listados na ‘Forbes’ na compra de sua tese. Ocorre que, na minha opinião, não é possível encontrar estas respostas de maneira equânime para todos os seres humanos, isso é pessoal, leva em conta infinitas variáveis, pois tratamos de relações humanas em um mundo ambíguo (onde cada um tem sua percepção pessoal sobre o mundo).
Questões semelhantes aplicam-se nas áreas de gestão das organizações, a busca incansável por ferramentas que se adequam à suas necessidades para a real “identificação da causa raiz”, é uma das tarefas mais árduas, poderíamos até listar algumas dentre várias ferramentas, por exemplo:
- 5 Porquês
- Diagrama de Ishikawa ou Espinha de Peixe
- Gráfico de Pareto
- TASC
- ACR
- RCA
- MASP
- Árvore de causas
Além dos itens listados, são de conhecimento dos gestores, milhares de outras siglas e ferramentas, as características de cada organização, de cada gestor, de cada membro das equipes de gestão, preferências pessoais, facilidade de entendimento, são várias das variáveis que servem como critérios para definição da ferramenta adequada em cada organização.
Em 2010, Alex Osterwalder e Yves Pigneur, na famosa publicação Business Model Generation, discorrem sobre técnicas estruturadas que devem ser consideradas por gestores sobre modelo de negócios a partir de um “framework” que os autores chamam de canvas considerando 9 blocos de construção, que por sinal é uma agradabilíssima leitura, declararam a seguinte frase:
“Ninguém pode prever o futuro, mas é bom desenvolver hipóteses como diretrizes para a próxima geração de modelos de negócios. Conjecturas sobre a trajetória das forças de mercado, as tendências-chave e as forças macroeconômicas são úteis ao desenvolver opções para o futuro. Confira seu modelo de negócios regularmente. Avaliações programadas podem ajudar você a monitorar o ambiente de negócios e detectar problemas com antecedência.”
Basicamente empreender é solucionar problemas, portanto a utilização de técnicas para tal pode ser aplicada nas diversas fases da gestão de cada organização.
Levando em consideração que o assunto é conhecido há tantos anos na história da humanidade, em uma rápida pesquisa na internet, foi possível identificar a evolução na linha do tempo da criação de algumas ferramentas (veja a figura).
Notem que me atentei às principais ferramentas utilizadas para identificação de causa raiz,e poderia relacionar muitas outras, muitos dos leitores estarão se perguntando porque não incluí essa ou aquela ferramenta, mas essa não é a intenção aqui, a ideia é demonstrar há quanto tempo nos preocupamos em solucionar problemas e com as questões que visam garantir a qualidade.
Em uma análise fria sobre o gráfico demonstra inúmeras ferramentas apresentadas por japoneses, isso se deu em momento pós segunda guerra mundial, o país se viu devastado, 2,5 milhões de japoneses mortos, estima-se que 80% desse número eram de militares, Hiroshima e Nagasaki perderam mais de 200 mil habitantes pós ataque nuclear americano, pobreza e fome assolaram a ilha ao longo dos anos que sucederam a guerra, um baita de um problema a ser solucionado e foi justamente nas ferramentas de solução de problemas que o país se pautou para o processo de reconstrução de sua economia. A mais famosa metodologia de qualidade, o PDCA (acrônimo para Plan, Do, Check e Act, ou em português, PEVA – Planejar, Executar, Verificar e Agir), por uma ironia do destino, foi criada por um estatístico, professor universitário americano, conhecido como William Edwards Deming (1900 —1993) que se mudou para o Japão na década de 50 (anos 1950) e é altamente respeitado até hoje como grande fundador dos processos de qualidade, na mesma toada o romeno Joseph Moses Juran, autor da clássica obra Quality Control Handbook (1951) que descreve a não tão conhecida trilogia de Juran, que propõe três análises específicas para os processos: Planejamento, Controle e Aperfeiçoamento. Ciclo este que deve ser repetido de forma constante, foi convidado a participar em parceria com Deming do processo de reconstrução do Japão, atuando como consultor de estado, ambos são chamados Gurus da Qualidade. A intenção era de, já que o país não podia competir comercialmente com as potências vencedoras em situação igualitária, garantir que os produtos fabricados no país seriam os de maior qualidade quando comparados com os demais, faria com que se tornassem referência mundial no processo e hoje sabemos que o Japão não tem das maiores populações e é considerado a terceira maior economia do mundo, atrás das potências EUA e China. Cases de sucesso como das empresas Nikon, Sony, Yamaha e Honda apresentam produtos, considerados perceptivamente por seus clientes, como de grande qualidade, durabilidade e eficiência do mercado.
Mesmo sabendo de tudo isso, o tratamento e solução de problemas, não é tarefa fácil para os gestores que comumente se deparam com paradigmas criados pelo contexto das organizações, não é raro encontrar empresas de pequeno e médio porte que não possuem um plano de negócios estruturado, e nem precisamos nos aprofundar tanto no assunto, implantar ferramentas para tratar problemas são desafios quando frases do tipo são ouvidas: “é um processo que toma muito tempo”, “isso é muito caro”, “é só mais uma moda passageira”, “isso é só para punir e identificar pessoas culpadas”, “eu acho que isso só se aplica a eventos muito graves”, “só os engenheiros que devem usar isso”, “já tentei várias vezes esse método e não funcionou” e até mesmo, “aqui já temos muitos outros programas de qualidade e consideramos suficientes”. Sabemos que todos estes argumentos seriam facilmente derrubados, como por exemplo, aqueles que defendem que a ferramenta é perda de tempo, não deveriam então reclamar dos custos das contínuas falhas que poderiam ser evitadas pelas análises eficazes destes processos.
Independente da ferramenta utilizada para solucionar problemas, a análise que direciona o gestor ao rumo certo na solução de um problema, deve ser compreendida em três etapas, definição, compreensão e solução e, para esta última etapa, é crucial a garantia de que as ações propostas sejam eficazes. O desdobramento de cada etapa ainda associado ao uso de ferramentas de gestão para análise de causas, considera fatores como:
- Qualificação de pessoal: qualificação das pessoas que executam os processos de análise de causa. O entendimento de todas as pessoas que compõem a organização sobre a necessidade de tratamento de causas para solucionamento de um problema.
- Determinação de responsabilidades: atribuição de tarefas a responsáveis pelo tratamento de problemas, estrutura de resposta ao problema como tempo, nível de implementação em acordo com a gravidade do problema e etc.
- Brainstorm: Quanto mais multidisciplinar for a equipe, o “brainstorm” terá mais sucesso dentro da organização.
- Publicidade de resultados: A divulgação dos resultados auxilia principalmente na última etapa do processo, o aprendizado.
- Aprendizado: O histórico de tudo que se aprendeu com o processo é extremamente importante, aqui se consegue a experiência diferencial de uma organização, o famoso conhecimento organizacional.
De acordo com o World Economic Forum, solucionar problemas é uma das principais habilidades necessárias aos gestores de grandes organizações, e nem sempre presentes no ambiente corporativo (ver figura).
NOTA: a somatória dos valores dados na pesquisa é superior a 100% devido que as distintas habilidades são exigidas ao mesmo tempo quando da contratação de um mesmo profissional.
E se imaginássemos uma organização onde todos os membros de todas as equipes desta tivessem a habilidade inabalável de solucionar problemas, todos esses colaboradores então tenham a capacidade implacável de identificar rapidamente e claramente um problema, além de fornecer as melhores soluções de maneira integrada e de forma mais eficaz possível? É possível prever o resultado disso tudo?
É correto então afirmar que a utilização de ferramentas de ACR auxiliam as organizações a realizarem análises profundas de seus problemas, mas é sabido que comumente, dadas as dificuldades expostas anteriormente, os problemas são analisados e tratados de maneira superficial, ocasionando então constantes reincidências e perdas de tempo e financeiras. A não aplicação adequada das ferramentas se apresenta frequentemente com as ações pontuais e imediatas (apenas apagando incêndio), espera-se que a utilização das ferramentas gere abordagens de soluções robustas e definitivas, levando em conta investigação detalhada de um problema passando pelo caminho histórico deste e identificando prováveis causas imediatas, intermediárias e raízes, ou seja aquela causa que se não tivesse ocorrido o problema jamais teria se desdobrado, com o objetivo de descobrir o que ocorreu, por que ocorreu e o que fazer para evitar sua reincidência. Essa análise leva em conta que tratar ou estabelecer ações para causas intermediárias (também chamadas contribuintes) compreende o processo de reincidência do problema, mas para que toda essa estrutura funcione, é necessário, além de apoio da alta administração, do investimento adequado.
Considerando que o processo de ACR considera ferramentas robustas e estruturadas e que as organizações cada vez mais primam por equipes qualificadas, mas enxutas, é conveniente que cada organização determine prioridades, que podem considerar conceitos de gerenciamento de riscos como frequência de ocorrência e gravidade do evento.
Encontrar a causa raiz de um problema não é uma mera questão de tratar a não conformidade, mas se refere a sobrevivência das organizações e pessoas no mercado, demonstram resiliência, a capacidade de manutenção de clientes. Impedir a reincidência de um problema leva as organizações a níveis superiores de qualidade, de produtividade e de consequente sustentabilidade de seus negócios principalmente pela maior satisfação de seus clientes. As diferentes ferramentas e modelos estruturados de análises de causa raíz, compreendem, dentro das organizações modelos estruturados que facilitam ou dão didática ao conceito de tratamento de problemas, evitando esquecimentos durante o processo, mas quando não associados a equipes multidisciplinares e com adequado conhecimento reconhece-se o insucesso de todo um planejamento.
O tema deste artigo será abordado na CONGESQUA, onde proferirei a palestra "A Importância da Análise de Causa Raíz".
Será um prazer contar com você lá também!
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Adriano Simões
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