Gerir um negócio é, em última análise, gerenciar os riscos que podem afetá-lo. Isso envolve, antes de qualquer coisa, prever todos os cenários de risco plausíveis, de modo que seja possível, posteriormente, tomar as medidas de análise, priorização, prevenção, monitoramento e, em último caso, resposta à emergência caso ela se concretize.
A ABNT NBR ISO 22301:2013 (Segurança da Sociedade, Sistema de gestão de continuidade dos negócios – Requisitos) é um ótimo framework para a gestão deste tipo de risco, uma vez que estabelece requisitos que disciplinam cada uma das etapas deste processo.
Quase todas as etapas desse processo são razoavelmente conhecidas e dominadas pela maioria dos gestores. No entanto, a primeira delas (e talvez a mais importante) não depende unicamente de ferramentas de gestão ou softwares sofisticados: prever um cenário de risco depende muito da experiência e do discernimento dos líderes e dos grupos que analisam os riscos nas organizações.
A lista de cenários que devem fazer parte de um sistema gestão de riscos é composta daqueles que identificamos como “razoavelmente previsíveis”: falta de água, greve dos funcionários, interrupção das rotas de escoamento de produtos, ataque de hackers, entre outros. Não é razoável, na maioria dos casos, prever o cenário da queda de um avião sobre a empresa (a menos que esta se situe dentro de um aeroporto, ou próximo a uma das cabeceiras de sua pista). Para a maioria das organizações este é um evento tão improvável que sequer merece ser considerado. Dessa maneira, aquilo que nós chamamos de “senso comum” é o que orienta a eleição de determinados cenários a serem analisados.
Ocorre que o “senso comum” (que Albert Einstein definiu como “nada mais do que um depósito de preconceitos colocados na mente antes de fazermos dezoito anos”) é limitante, e incapaz de prever muitos eventos, assim como atribuir a eles a devida relevância.
O caso do COVID-19 parece bastante ilustrativo. Quando o surto se iniciou em uma região específica no interior da China, poucos de nós atribuímos a este evento a possibilidade de que ele nos afetasse, tanto sanitária quanto financeiramente. De certo modo, nossa experiência com outras epidemias (SARs, Gripe Aviária, Ebola, Meningite, Febre Amarela, Malária, entre outras), que afetaram regiões menores ou em menor intensidade, acabaram por incutir no inconsciente coletivo a ideia de que, de um jeito ou de outro, a epidemia (agora pandemia) daria conta de si mesma.
Exceto no caso de organizações diretamente ligadas à saúde (laboratórios farmacêuticos, centros de pesquisa, hospitais, etc), a quase totalidade dos negócios não prevê os riscos de descontinuidade dos seus negócios provocados por epidemias ou catástrofes do gênero. Este é o tipo de risco que chamamos de “Cisne Negro” (conceito tornado famoso pelo filósofo libanês Nassim Taleb), situação de baixíssima probabilidade, mas com sérias consequências (tais como o ataque terrorista de 11 de setembro e rompimento da barragem de Brumadinho).
Isso significa que todas as empresas devem incluir em sua avaliação de riscos a possibilidade de uma emergência sanitária global? DE FORMA ALGUMA! Não é possível identificar e controlar todos os cenários de riscos que afetam um negócio, por isso essa abordagem será sempre baseada em uma estimativa de probabilidade, e rodeada de incertezas.
Um dos princípios da gestão de riscos é o de que só é possível prevenir cenários que podemos controlar ou influenciar. Para os demais deve-se, na medida do possível, adotar medidas para eliminar ou minimizar os seus efeitos.
Parece ser esse o caso. Não está ao nosso alcance interromper de maneira decisiva o mecanismo que faz com que o vírus se espalhe e atinja nosso país, estado, cidade ou comunidade. No entanto, os reflexos desta emergência epidemiológica são conhecidos desde que passamos outras crises sanitárias: redução da demanda, limitação dos transportes coletivos e de outras aglomerações, etc. Alguns desses efeitos poderiam resultar inclusive de cenários diversos (crises cambiais e atentados terroristas, por exemplo).
Sendo assim, embora não seja razoável supor que anteciparemos tudo que pode dar errado, é possível (dentro de certos limites) se preparar para alguns dos efeitos que esta infinidade de situações poderia ocasionar. Muitas empresas têm adotado diversas medidas emergenciais e temporárias, tais como trabalho remoto, mudanças de layout (de modo reduzir a proximidade física entre os trabalhadores), adiamento de compromissos não essenciais, antecipação de férias remuneradas, entre diversas outras. No entanto, poucas destas organizações haviam efetivamente previsto estas ações e se preparado para elas, de modo que muitas das medidas ocorreram de maneira atabalhoada e improvisada.
Embora se trate de uma situação de gravidade óbvia, esta situação não é a primeira e, lamentavelmente, não será a última. Além disso, como todas as outras crises, esta também terminará, e cabe a nós mantermos serenidade para tomarmos as ações necessárias para passarmos por ela como o mínimo de danos possível. Ao final disso tudo esperamos que esse episódio tenha servido para trazer aprendizado e maturidade para sobrevivermos também às futuras crises que certamente virão.
Flávio Oliveira
Sócio-Diretor da PM Analysis
flavio.oliveira@pmanalysis.com