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Ética: Você tem, ou não.

Ética: Você tem, ou não.

 

É errôneo servir-se de meios imorais para alcançar objetivos morais.

(Martin Luther King)

 

Pode parecer bobagem, mas o episódio que narrarei a seguir não saiu da minha memória, apesar de terem se passado vários anos desde que ele ocorreu. Não há método melhor para ensinar uma pessoa, seja ela criança ou adulto, do que através do exemplo.

 

Certa vez, quando eu não tinha mais do que 8 anos de idade, eu fui ao zoológico de São Paulo. Era fantástico, um mundo novo que não fazia parte do meu dia a dia, e que me fazia viajar a várias partes do mundo em poucas horas. Os majestosos animais em ambientes que simulavam o seu habitat pareciam tão estupendos que eu contemplava a maioria dos bichos de boca aberta. Apesar deste estupor ainda guardo algumas lembranças, entre elas a distância que o parque ficava da minha casa, do cansaço, das filas intermináveis e do calor abrasador. Para aplacar o calor, a saída óbvia era beber muita água e tomar sucessivos picolés (ou “sorvetes de palito” como dizemos aqui em terras paulistanas), que só podiam ser obtidos após vencermos filas que pareciam não ter fim. Em uma dessas filas nós aguardávamos, meu pai e eu, quando finalmente chegou nossa vez. O sorveteiro nos vendou 2 sorvetes que custavam, digamos, Cz$ 2,00 (acho que naquela época circulava este tipo de moeda, o cruzado) cada um, num total de Cz$ 4,00. Meu pai pagou com uma nota de Cz$ 5,00, mas o homem deu Cz$ 6,00 de troco, supondo obviamente que houvéssemos pagado com uma nota de Cz$ 10,00. Distraídos, saímos da fila e íamos caminhando quando meu pai se deu conta de que o troco era excessivo, e que o sorveteiro havia se enganado. Quando voltamos à barraca e devolvemos o devido dinheiro ao comerciante algumas pessoas que estavam na fila riram de nós. Meu pai olhou pra mim e, lembro-me nitidamente, disse: “Você vai ouvir esse tipo de risada muitas vezes ainda, mas não liga não. São eles que não vão dormir à noite.” De fato em muitas outras ocasiões eu presenciei ou fui vítima de comportamentos como aqueles da fila do sorveteiro, dos “espertos” que acham que “levar vantagem em tudo” é o melhor meio de viver em sociedade, dilapidando os recursos de que ela dispõe para seu próprio e único proveito.

 

A palavra ética vem do grego ethos, que significa caráter, comportamento, lisura, e o seu estudo visa, de forma resumida, a busca do melhor modo de viver no cotidiano e na sociedade. O comportamento ético não tem necessariamente relação com o cumprimento de leis. É possível estar na legalidade e ser antiético. Na verdade, algumas leis – nem todas, diga-se – são criadas sob os preceitos da ética, que está em um nível mais fundamental do pensamento. A aplicação contemporânea dessa ideia traz nuances um pouco distintos da adotada literalmente. Temos a tendência de atribuir o conceito de ética às nossas atitudes tomadas no meio corporativo, enquanto que ao conjunto de qualidades morais que compõem a nossa personalidade chamamos de caráter. O grande escritor irlandês Oscar Wilde disse certa vez que “chamamos de Ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de Caráter”. Minha opinião é de que não é possível distinguir as duas características. Não é possível ser ético e não ter caráter, e vice versa, pois o simples fato de agir de formas diferentes nos campos pessoal e profissional provocaria a dilaceração de ambos os valores, fazendo do sujeito que age assim um simples mau caráter. Ou antiético, como queiram.

 

É muito mais fácil ser mau caráter, fazer o mau ao invés do bem, e a gestão empresarial é infestada de tentações. Em diversas situações os envolvidos nessas relações se veem provocados (e nem sempre resistem) a agir de forma antiética, favorecendo uma pessoa conhecida, oferecendo ou recebendo vantagens para assinar um contrato, valendo-se de informações privilegiadas ou sigilosas para obterem vantagens em concorrências desleais, reduzindo custos ao sonegar impostos, adquirindo produtos de origem duvidosa ou reconhecidamente ilegal, aumentando artificialmente o valor da empresa ao publicar falsos balancetes, abrindo empresas em nome de “laranjas”, forjando resultados de auditoria, roubando listas de contatos comerciais, dissimulando relações societárias etc.

 

Voltando às premissas do segundo parágrafo, não me parece possível acreditar que pessoas que tomem as atitudes que eu acabo de citar não sejam capazes também de ficar com o troco dado indevidamente, ou pedir um recibo com valor acima do pago para aumentar o reembolso, ou de jogar lixo pela janela do carro, ou ainda de ocupar o assento de pessoas idosas no ônibus. Há profissionais que são capazes, inclusive, de arruinar relações pessoais de anos apenas para aproveitar oportunidades de “se darem bem”. Que exemplos darão a seus filhos? Que lições poderão ensinar? Para usar um termo atual, que pegadas essas pessoas deixarão nesse planeta?

 

Na área de assessoria, auditoria e treinamento, CREDIBILIDADE é coisa mais importante que nós vendemos. É claro que inteligência, experiência e aspectos técnicos são importantíssimos, mas o retrospecto da empresa que presta esse serviço dará ao cliente a certeza de que receberá um bom serviço, com características técnicas e qualidade que o atendam. A qualidade do serviço pode ser seriamente comprometida quando não há imparcialidade, franqueza e profissionalismo que supere os interesses comerciais das partes. A qualidade melhora com o passar do tempo, com o estudo, com a prática, com a troca de experiências, com tecnologia, mas credibilidade não se compra.

 

Além disso, um cliente que não considera essas características quando contrata um fornecedor corre o risco de, ao contratar empresa que não possua credibilidade, ter seus dados confidenciais utilizados para fins incertos ou ilícitos, ou de ter seu nome envolvido com empresas de reputação desacreditada. A legislação confere às empresas que atuam em parceria comercial a característica de corresponsabilidade, o que torna o cliente diretamente interessado e afetado pelas ações que seus contratados tomam. Um cliente deveria, portanto, influenciar tais fornecedores para que estas ações sejam condizentes com as políticas e valores da empresa contratante.

 

Em qualquer ramo de atividade concorrem empresas de vários tipos e tamanhos, inclusive empresas que fazem seus custos caírem a níveis irrisórios através do uso da desonestidade, e não é incomum haver diferenças de mais de 1000% entre os preços de produtos ou serviços similares, conferindo aos sonegadores e oportunistas uma injusta vantagem competitiva. Contudo, do ponto de visto do contratante, é quase certo (perdoem-me pelo clichê) que o barato sairá caro, e o menor dos custos que posteriormente se manifestarão será os do retrabalho de um serviço mal prestado, pois além dele podem surgir custos de remediação na mídia, custas processuais, reparações, indenizações etc.

 

Num país em que a Lei de Gerson (”eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?”) ainda é mais popular do que as Leis de Repressão à Concorrência Desleal é de se esperar que as conveniências ainda suplantem a decência. A ética é algo que se deve praticar diariamente, em todas as decisões que tomamos, e em cada facilidade que somos tentados a escolher, como única forma de transformá-la um valor real, e não um conceito filosófico distante, na boca de muitos, mas nas atitudes de poucos.

 

Flavio Oliveira

flavio.oliveira@pmanalysis.com

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