O desempenho de uma organização é resultado direto das decisões e do comprometimento da sua Alta Direção. Esta é a constatação de 9 entre 10 pessoas com as quais conversamos em nosso dia a dia como consultores de gestão, e é um fato facilmente verificável quando conhecemos os líderes (e o seu comportamento como tal) e analisamos os resultados dessa organização. É o princípio do “tone from the top” (algo como “o tom que vem cima”) ou o “top down” (“de cima pra baixo”, literalmente).
A responsabilização pelo resultado das empresas não se resume aos resultados financeiros, mas também aos resultados ambientais, sociais e institucionais, afetando as mais diversas partes interessadas (stakeholders) no negócio. Por essa razão, a ISO – Organização Internacional para Normatização tem adotado no esquema para as novas normas de referência ou revisão das existentes, a partir de 2012, requisitos específicos para abordar os cenários de oportunidades e de riscos bem como os controles operacionais aplicáveis (medidas de prevenção, monitoramento ou de atenuação).
A responsabilidade civil do empregador em face das condutas lesivas ao meio ambiente e à integridade física e saúde do trabalhador são casos específicos a serem considerados, pois estão diretamente relacionados com a gestão das organizações e, infelizmente, têm sido objeto de grande repercussão devido aos eventos desastrosos a que temos assistido recentemente. O mérito da culpabilidade ou das causas das recentes catástrofes ambientais e humanos não será objeto dessa breve reflexão, mas sim a importância desta relação de responsabilidade que o corpo diretivo das empresas precisa compreender (e com a qual precisa se preocupar).
O Artigo 2° das Disposições Gerais do Capítulo 1 da Lei Nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, estabelece que "quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la". O parágrafo único do mesmo capítulo menciona que "A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato", deixando claro que não apenas a empresa poderá ser responsabilizada, mas as pessoas físicas que tenham contribuído, de maneira voluntária ou não, para a ocorrência do crime ambiental.
No âmbito dos acidentes de trabalho, a responsabilidade civil objetiva decorre do texto expresso de lei ou da atividade de risco desenvolvida normalmente pelo agente do dano. Na esfera do direito trabalhista, a responsabilidade objetiva do empregador está consagrada no Artigo 2º da CLT, que considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Trata-se da teoria do risco de quem busca um proveito da atividade empreendida, mesmo que o resultado final não corresponda ao pretendido. Assim, os critérios da imputação objetiva são a lei e as atividades de risco. No caso das atividades de risco, caberá ao juiz a importante tarefa de identificar as situações de incidência do preceito legal, uma vez que o comando legal é genérico, isto é, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 não define o que seja “atividade de risco”.
Considerando assuntos como suborno, fraude, conluio e outras formas de corrupção que possam afetar o status de compliance da organização, temos o exemplo da Lei Anticorrupção (Lei Nº 12.846/2013), que estabelece no Artigo 3° das Disposições Gerais do Capítulo 1 que "a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito".
Sobre todas as disposições mencionadas podem incidir penas como o pagamento de multas, indenizações e, em último caso, prisão dos envolvidos.
Além dos dispositivos legais exemplificados acima, as empresas que têm o seu sistema de gestão estruturados de acordo com as normas de gestão da família ISO também já puderam verificar que as recentes revisões destas normas trouxeram um aprofundamento no papel da Liderança e Alta Direção em relação à sua responsabilidade pela implementação, manutenção e resultados do Sistema de Gestão. Em todas as normas baseadas no Anexo SL (estrutura única de alto nível) da família ISO, o capítulo 5 "Liderança" reúne os requisitos de liderança e responsabilização da Alta Direção em relação ao Sistema de Gestão. No caso das normas NBR ISO 9001:2015 (Sistema de Gestão da Qualidade) e NBR ISO 14001:2015 (Sistema de Gestão Ambiental) a Alta Direção tem "responsabilidade por prestar contas pela eficácia do Sistema de Gestão". No caso da ISO 45001:2018 (Sistema de Gestão de Segurança e Saúde Ocupacional) a norma é ainda mais clara ao estabelecer que a Alta Direção deve "assumir a responsabilidade geral e a responsabilização pela prevenção de lesões e problemas de saúde, relacionados ao trabalho, bem como pelo fornecimento de locais de trabalho e atividades seguras e saudáveis". A NBR ISO 37001:2017 (Sistema de Gestão Antissuborno) inclui as responsabilidades, além da Alta Direção, do "Órgão Diretivo" (normalmente chamado de Conselho de Administração ou Conselho Deliberativo). Neste último caso faz parte das responsabilidades do da Alta Direção da empresa "assegurar que o pessoal não sofra retaliação, discriminação ou ação disciplinar por relatos feitos de boa-fé ou com base em uma razoável convicção de violação ou suspeita de violação da política antissuborno da organização, ou por se recusar a participar do suborno, mesmo que tal recusa possa resultar na perda de um negócio para a organização (exceto quando o indivíduo participou da violação).
Como podemos concluir, o tempo em que os executivos de uma empresa deviam se preocupar apenas com os seus resultados financeiros já passou. Sua responsabilidade vai muito além dos números, cabendo a eles responder pelos resultados das organizações perante uma sociedade cada vez mais atenta e exigente em relação a estes resultados. Também é uma tendência que os marcos regulatórios evoluam para se tornarem mais prescritivas e exigentes, tornando as decisões judiciais menos interpretativas e mais objetivas. Os membros do corpo executivo das organizações precisam entender essas novas características e, de maneira preventiva, empregar todos os esforços para gerenciar os riscos que estão sob sua responsabilidade.
Richard Chan e Flávio Oliveira
Sócios-Diretores da PM Analysis
richard.chan@pmanalysis.com / flavio.oliveira@pmanalysis.com
- Publicado originalmente no LinkedIn em 30 de janeiro de 2019